quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tosca, Parma 19 e 21 de Janeiro de 1967


Desde há cerca de quatro séculos, a ópera encontra-se enraizada na cultura popular italiana. Não existe pequena localidade que não possua o seu teatro com uma temporada que inclua espectáculos de ópera. Dada a relação secular dos italianos com esta manifestação artística, não espanta o facto de o público deste país ser apontado como um exímio conhecedor do métier, identificando e avaliando prontamente as aptidões vocais e dramáticas de um intérprete, as leituras orquestrais ou a qualidade e valor artístico das encenações. É um público que não se deixa enganar e, por vezes, demonstra-se muito pouco complacente se o nível de um espectáculo não atinge uma determinada fasquia mínima. No fundo, uma massa assaz emotiva, que não se coíbe de exibir a sua satisfação ou desagrado perante aquilo que ouve e vê. De entre os diversos públicos dos palcos líricos italianos, alguns são especialmente conhecidos pela exigência e severidade do seu crivo. É o que sucede com o do Teatro Régio de Parma. Consta que terão sido vários os cantores a recusar apresentar-se no teatro dada a fama do seu público, temendo que este exercesse uma pressão beirando o insuportável sobre as récitas.

Todavia, quando conquistado, este mesmo público rendia-se inequivocamente, tratando os seus intérpretes de eleição como Divos e Divas em demonstrações de afecto e apreço no limite da loucura e histeria. Franco Corelli era um desses. Corelli havia-se já estreado no Teatro Régio em 1954 como Pollione na Norma de Bellini, ao lado de Caterina Mancini. Em anos subsequentes surgiu como Don José na Carmen de Bizet com Fedora Barbieri, Ettore Bastianini e Pilar Lorengar (1958), Calaf na Turandot de Puccini com Anita Corridori (1959) e Manrico em Il Trovatore de Verdi junto a Ilva Ligabue, Mario Zanasi e Adriana Lazzarini (1961). A coroa de glória do tenor italiano estava, contudo, reservada para os dias 19 e 21 de Janeiro de 1967. Após um ausência de seis anos, Corelli reaparece de modo fulgurante em Parma para duas inesquecíveis récitas da Tosca de Puccini. Tratando-se o pintor Mario Cavaradossi de uma das suas mais justamente celebradas criações, nesta data, Corelli supera-se a si próprio. A linha de canto é, simultaneamente, heróica, apaixonada e plangente. O volume e a projecção vocais são arrasadores. A paleta dinâmica é amplamente explorada, atingindo o zénite na ária do terceiro acto com um diminuendo sustentado que parece suspender o tempo. O legato é, no mínimo, interminável. Os gritos de vitória de Cavaradossi, no segundo acto, desafiam qualquer crença. Face a uma tal pujança vocal e dramática, a reacção do público não poderia ser outra. A tal ponto que, no final da segunda récita, um piano teve de ser içado até ao palco de forma a que Corelli pudesse brindar a assistência delirante com uma das mais conhecidas canções italianas: Core N'grato.

Felizmente para todos os amantes de ópera, esta segunda performance encontra-se comercializada em CD. No site especializado ClassicsToday.com, Robert Levine tece as seguintes considerações sobre Corelli:

"It has been a quiet parentheses among opera lovers for years that while great tenors have emerged since Franco Corelli stopped singing, none of them can compare, at least for sheer voice. Corelli's dark-hued middle and bottom voice and the steely, luminescent, vibrating, huge, solid top are unique. The experience of hearing him, particularly live, was visceral, earthy, and thrilling. His voice also recorded well, so those who didn't experience him in the opera house have been able to feel some of the power."

"This performance of Tosca has rightly become legendary: recorded at the opera house in Parma (a house known for aficionado audiences willing and able to destroy singers who don't please them), Corelli probably was never greater. His confidence is apparent from the start, and conductor Giuseppe Morelli is wise to let him hold on to gleaming top notes as long as he wishes. This is probably the only time you'll hear an audience applaud after Cavaradossi's high B-natural in the first-act recitative with Angelotti--you may want to as well. And the tumults after "Vittoria! Vittoria!" and "E lucevan le stelle" are practically frightening. (...)"

"There are even some niceties, some delicate moments in Corelli's interpretation, and the long--very, very long--diminuendo in mid-"E lucevan" draws audible gasps from the crowd. Corelli's Cavaradossi spoils us for any other singer in the role; no, there are no new insights, but his performance will make you tremble. (...)"

Apresentamos, de seguida, alguns dos momentos-chave exemplificadores do nível atingido por Franco Corelli na récita de 21 de Janeiro de 1967. Em escuta, a ária do primeiro acto (Recondita armonia), o Vittoria! Vittoria! do segundo acto e a ária do terceiro acto (E lucevan le stelle).

Sob a direcção orquestral de Giuseppe Morelli, tomaram parte nesta produção: Virginia Gordoni (Floria Tosca), Franco Corelli (Mario Cavaradossi), Attilio D'Orazi (Barão Scarpia), Silvio Maionica (Cesare Angelotti), Virgilio Carbonari (O sacristão).


Recondita armonia









Vittoria! Vittoria!









E lucevan le stelle







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