quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Il Trovatore, MET 27 de Janeiro de 1961


Os últimos dias de Janeiro do ano de 1961 viram a estreia de duas das vozes paradigmáticas da segunda metade do século XX no mais emblemático e almejado teatro de ópera do Mundo: o Metropolitan Opera House, em Nova Iorque. Os seus nomes: Leontyne Price e Franco Corelli.

Embora Corelli tivesse iniciado a carreira (relativamente tarde, refira-se) cerca de dez anos antes em Spoleto no papel de Don José na ópera Carmen de Bizet, havia, pouco mais de um mês antes, obtido um clamoroso sucesso no Scala de Milão, desempenhando o papel titular da ópera Poliuto de Donizetti na companhia nada desprezível de Maria Callas, Ettore Bastianini e Nicola Zaccaria. Um sucesso que confirmou o seu estatuto perante o público milanês, num teatro onde se tinha estreado em 1954 na ópera La Vestale de Gaspare Spontini com Callas, Ebe Stigani, Nicola Rossi-Lemeni e Enzo Sordello sob a direcção de Antonino Votto. A estreia em Nova Iorque, que aqui procuramos documentar, constituiria o derradeiro impulso em direcção ao reconhecimento internacional.

Leontyne Price começou a ser notada pelo papel de Bess na ópera Porgy and Bess de Gershwin, integrando a Everymen Opera Company que, em 1952, levou a cabo uma tournée mundial com aparições em Viena, Berlim, Paris e Londres que ficaram para a história e contando no elenco com intérpretes míticos da obra como Cab Calloway. De regresso aos EUA, é chamada pelo MET a participar no Metropolitan Opera Jamboree de 1953, interpretando Summertime. Deste modo, torna-se a primeira cantora afro-americana a cantar com o MET, embora o concerto tenha tido lugar no Ritz Theater, em Manhattan. Dois anos depois, chega ao pequeno ecrã por intermédio da série de óperas televisionadas da NBC. Canta a Tosca de Puccini, em inglês, ao lado de David Poleri. A exposição rende-lhe, em pouco tempo, uma audição com Herbert von Karajan que a convida para cantar a Salome de Richard Strauss. Price recusa. Apenas em 1957 a cantora pisa o palco de um teatro de ópera. Foi em São Francisco a 20 de Setembro, interpretando Madame Lidoine na estreia norte-americana da ópera Les Dialogues des Carmelites de Francis Poulenc. Algumas semanas mais tarde, o adoecimento do soprano Antonietta Stella dá-lhe a oportunidade de afrontar, pela primeira vez, o papel que a haveria de celebrizar: a Aida de Verdi. No ano seguinte, sucedem-se as récitas desta mesma ópera na Staatsoper de Viena, a convite de Karajan, no Convent Garden de Londres, e na Arena de Verona. Em 1959 regressa a Viena para uma nova Aida e ainda a Leonora da ópera Il Trovatore de Verdi. Em 1960, torna a cantar a princesa etíope, desta feita no Scala de Milão, tornando-se a primeira cantora negra a interpretar um papel protagonista num teatro italiano. Rudolf Bing, o todo-poderoso director do MET presencia a sua Leonora em Viena e decide contratá-la para o mesmo papel nos inícios de 1961. Um marco que a colocaria definitivamente entre os nomes cimeiros da lírica mundial.

A récita de estreia constituiu-se um sucesso estrondoso. No final da ària do quatro acto D'amor sull'ali rosee, o furor do público presente somente esmoreceu ao fim de mais de quarenta minutos de aplausos. Nasciam assim os mitos Price e Corelli.

No New York Times, o temível e acídico crítico Harold C. Schonberg descreveu as suas impressões da seguinte forma:

"Everybody sang out. Sometimes the singing was glorious, sometimes it was lacking in finesse, but at all times everybody was giving all he or she had. Thus nobody in the audience was bored. It was an exciting night."

"The two debuts had been long awaited. Miss Price has sung here before, but more recently she has been having a triumph in opera houses throughout Europe. She has matured into a beautiful singer. Her voice, warm and luscious, has enough volume to fill the house with ease, and she has a good technique to back up the voice itself. She even took the trills as written, and nothing in the part as Verdi wrote it gave her the last bit of trouble. (...) Voice is what counts, and voice is what Miss Price has. And it is not all florid singing on her part. In the convent scene she took some fine-spun phrases in a ravishing pianissimo. And her top is exceptionally secure. She does not lunge for notes, attacking them from underneath and sliding into them."

"As for Mr. Corelli, in one respect he goes against the law of nature that decrees all tenors must be short. The Metropolitan includes, among his statistics, the fact that he is 6 feet 2 inches tall, and he weighs 180 pounds. He tops off this physical appearance with a handsome head-something of a cross between John Barymore and Errol Flynn. (...) it is a large-sized voice but not an especially suave instrument, and it tends to be produced explosively. It has something of an exciting animal drive about it, and when Mr. Corelli lets loose, he can dominate the ensemble. The nature of his upper register remains to be determined. He did take the D flat in the second act, but the ending of "Di quella pira" was transposed down (...) There is something about his work, however, that greatly excited the audience, pro and con. For at the end of the second and third acts, a scattering of boos was heard amid the cheers. The guess here is that Mr. Corelli could develop into an exceptional tenor, but his art does need some refining and polishing."

"Taken as a whole, then, this was an exciting "Trovatore" (...) It brought to the fore a brilliant new soprano-new to the Metropolitan, that is-and a tenor of great potential. Both will continue to be active this season, and to say that their appearances will be watched with interest is putting it mildly."

Propomos, de seguida, a audição de alguns fragmentos de um registo desta noite histórica que permitam ilustrar o elevadíssimo nível artístico apresentado. O volume, a flexibilidade da linha de canto e o timbre elementar de Corelli aliados ao veludo e à pureza do vocalismo de Price alternam momentos de absoluto deleite com outros de uma electricidade avassaladora. Em escuta o final do primeiro acto (Tace la notte!), a segunda cena do 3º acto (Ah si, ben mio...Di quella pira), o primeiro quadro do 4º acto (D'amor sull'ali rosee) e o final (Che, non m'inganna quel fioco lume...Prima che d'altri vivere).

Sob a direcção de Fausto Cleva, compunham o elenco: Franco Corelli (Manrico), Leontyne Price (Leonora), Robert Merrill (Conde de Luna), Irene Dalis (Azucena), William Wildermann (Ferrando).


Tace la notte!









Ah si, ben mio...Di quella pira









D'amor sull'ali rosee









Che, non m'inganna quel fioco lume...Prima che d'altri vivere