segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Marjorie Lawrence no MET, 17 de Fevereiro de 1962


Instigado por este texto que evoca o filme Interrupted Melody (1955), um retrato hollywoodesco da vida do soprano australiano Marjorie Lawrence, o Memória da Ópera resgata um interessante documento histórico dos arquivos.

Nascida a 17 de Fevereiro de 1907 numa pequena localidade a sul de Melbourne, o seu interesse pelo canto foi despertado pela audição de gravações de Nellie Melba e Clara Butt. Após vencer diversos concursos no seu país foi aconselhada pelo eminente barítono John Brownlee a prosseguir os estudos em Paris com Cécile Gilly. Estávamos por volta de 1928. Quatro anos mais tarde estreia-se em palco na Ópera de Monte-Carlo como Elisabeth no Tannhäuser de Wagner. Segue-se, no ano seguinte, a Ópera de Paris com a Ortrud do Lohengrin, também do compositor germânico. O Metropolitan de Nova Iorque chega em 1935. A 18 de Janeiro, estreia-se como Brünnhilde em Die Walküre. No ano seguinte, também no MET, é a primeira intérprete a seguir as indicações de Wagner na cena da imolação do tterdämmerng, cavalgando em direcção às chamas. O seu Siegfried era Lauritz Melchior. Em 1941, durante récitas no México, é-lhe diagnosticada poliomielite. Não obstante, regressa aos palcos cerca de ano e meio depois, cantando sentada ou apoiada numa plataforma. Abandonou a carreira em 1952.

Para além do reportório wagneriano, ao qual se encontrou mais associada, Marjorie Lawrence foi igualmente uma destacada intérprete da Carmen de Bizet e da Salome de Richard Strauss. Para além dos atributos vocais, os dotes físicos da cantora - uma mulher bela e atraente - concorreram para lhe conferir notoriedade e preferência junto do público, designadamente, nos papéis supracitados. É precisamente sobre a ópera de Strauss que nos detemos neste texto.

O nome de Marjorie Lawrence encontra-se ligado à história fonográfica da ópera dado ter sido a primeira a gravar a cena final sem qualquer corte. O soprano registou-a em francês no ano de 1934. Quatro anos mais tarde, protagonizava uma nova produção do MET dirigida pelo prestigiado maestro Ettore Panizza e ao lado de nomes como René Maison em Herodes, Karin Branzell em Herodias e Julius Huehn no papel de João Baptista (Jokanaan). A propósito da noite de estreia (4 de Fevereiro), Oscar Thompson escreveu na publicação Musical America:

"The performance yielded a personal triumph for Miss Lawrence, who undertook the title role in German for the first time anywhere. She had sung in it in French at the Paris Opera. Though her costuming was not altogether fortunate-particularly, a headpiece that distracted attention from her facial expression-she presented an embodiment of such vitality, skill and fervor as to minimize this and other minor reservations. Hers was in no sense a childish Salome; no one would doubt that it was a mature creature who lusted for the head of Jokanaan; but she was physically one of the trimmest and most seductive of those who have undertaken to dance as well as sing the part. She managed the erotic business of discarding the seven veils with the grace and the flair for pictorial effect to make it an effective detail of the drama."

"(...) Miss Lawrence was not debarred from exhibiting the head on the charger and in consequence the revolting kiss of which Salome sings was not just a euphemism of the text. Admirable as was her acting, it was as a singer that Miss Lawrence most completely met the requirements of the difficult role. She took various liberties with the letter of the score but the time has not yet come when any considerable number of opera habitues will be aware of, much less protest about, changes of the kind in the letter of either "Salome" or "Elektra.""

Vinte e quatro anos depois, Marjorie Lawrence volta ser ouvida sobre a Salome de Strauss durante o intervalo da transmissão radiofónica da matinée de 17 de Fevereiro de 1962. O maestro Joseph Rosenstock dirigia Brenda Lewis (Salome), Ramon Vinay (Herodes), Blanche Thebom (Herodias), Walter Cassel (Jokanaan). Francis Robinson entrevista a cantora sobre a sua assunção do papel. De seguida, a própria Diva escalpeliza a ópera.

Parte 1









Parte 2







quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tosca, Parma 19 e 21 de Janeiro de 1967


Desde há cerca de quatro séculos, a ópera encontra-se enraizada na cultura popular italiana. Não existe pequena localidade que não possua o seu teatro com uma temporada que inclua espectáculos de ópera. Dada a relação secular dos italianos com esta manifestação artística, não espanta o facto de o público deste país ser apontado como um exímio conhecedor do métier, identificando e avaliando prontamente as aptidões vocais e dramáticas de um intérprete, as leituras orquestrais ou a qualidade e valor artístico das encenações. É um público que não se deixa enganar e, por vezes, demonstra-se muito pouco complacente se o nível de um espectáculo não atinge uma determinada fasquia mínima. No fundo, uma massa assaz emotiva, que não se coíbe de exibir a sua satisfação ou desagrado perante aquilo que ouve e vê. De entre os diversos públicos dos palcos líricos italianos, alguns são especialmente conhecidos pela exigência e severidade do seu crivo. É o que sucede com o do Teatro Régio de Parma. Consta que terão sido vários os cantores a recusar apresentar-se no teatro dada a fama do seu público, temendo que este exercesse uma pressão beirando o insuportável sobre as récitas.

Todavia, quando conquistado, este mesmo público rendia-se inequivocamente, tratando os seus intérpretes de eleição como Divos e Divas em demonstrações de afecto e apreço no limite da loucura e histeria. Franco Corelli era um desses. Corelli havia-se já estreado no Teatro Régio em 1954 como Pollione na Norma de Bellini, ao lado de Caterina Mancini. Em anos subsequentes surgiu como Don José na Carmen de Bizet com Fedora Barbieri, Ettore Bastianini e Pilar Lorengar (1958), Calaf na Turandot de Puccini com Anita Corridori (1959) e Manrico em Il Trovatore de Verdi junto a Ilva Ligabue, Mario Zanasi e Adriana Lazzarini (1961). A coroa de glória do tenor italiano estava, contudo, reservada para os dias 19 e 21 de Janeiro de 1967. Após um ausência de seis anos, Corelli reaparece de modo fulgurante em Parma para duas inesquecíveis récitas da Tosca de Puccini. Tratando-se o pintor Mario Cavaradossi de uma das suas mais justamente celebradas criações, nesta data, Corelli supera-se a si próprio. A linha de canto é, simultaneamente, heróica, apaixonada e plangente. O volume e a projecção vocais são arrasadores. A paleta dinâmica é amplamente explorada, atingindo o zénite na ária do terceiro acto com um diminuendo sustentado que parece suspender o tempo. O legato é, no mínimo, interminável. Os gritos de vitória de Cavaradossi, no segundo acto, desafiam qualquer crença. Face a uma tal pujança vocal e dramática, a reacção do público não poderia ser outra. A tal ponto que, no final da segunda récita, um piano teve de ser içado até ao palco de forma a que Corelli pudesse brindar a assistência delirante com uma das mais conhecidas canções italianas: Core N'grato.

Felizmente para todos os amantes de ópera, esta segunda performance encontra-se comercializada em CD. No site especializado ClassicsToday.com, Robert Levine tece as seguintes considerações sobre Corelli:

"It has been a quiet parentheses among opera lovers for years that while great tenors have emerged since Franco Corelli stopped singing, none of them can compare, at least for sheer voice. Corelli's dark-hued middle and bottom voice and the steely, luminescent, vibrating, huge, solid top are unique. The experience of hearing him, particularly live, was visceral, earthy, and thrilling. His voice also recorded well, so those who didn't experience him in the opera house have been able to feel some of the power."

"This performance of Tosca has rightly become legendary: recorded at the opera house in Parma (a house known for aficionado audiences willing and able to destroy singers who don't please them), Corelli probably was never greater. His confidence is apparent from the start, and conductor Giuseppe Morelli is wise to let him hold on to gleaming top notes as long as he wishes. This is probably the only time you'll hear an audience applaud after Cavaradossi's high B-natural in the first-act recitative with Angelotti--you may want to as well. And the tumults after "Vittoria! Vittoria!" and "E lucevan le stelle" are practically frightening. (...)"

"There are even some niceties, some delicate moments in Corelli's interpretation, and the long--very, very long--diminuendo in mid-"E lucevan" draws audible gasps from the crowd. Corelli's Cavaradossi spoils us for any other singer in the role; no, there are no new insights, but his performance will make you tremble. (...)"

Apresentamos, de seguida, alguns dos momentos-chave exemplificadores do nível atingido por Franco Corelli na récita de 21 de Janeiro de 1967. Em escuta, a ária do primeiro acto (Recondita armonia), o Vittoria! Vittoria! do segundo acto e a ária do terceiro acto (E lucevan le stelle).

Sob a direcção orquestral de Giuseppe Morelli, tomaram parte nesta produção: Virginia Gordoni (Floria Tosca), Franco Corelli (Mario Cavaradossi), Attilio D'Orazi (Barão Scarpia), Silvio Maionica (Cesare Angelotti), Virgilio Carbonari (O sacristão).


Recondita armonia









Vittoria! Vittoria!









E lucevan le stelle







sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Elektra, MET 28 de Outubro de 1966


"Não há nada para lá de Elektra". A afirmação do lendário meio-soprano alemão Ernestine Schumann-Heink, que desempenhou o papel de Klytämnestra na estreia da ópera de Richard Strauss a 25 de Janeiro de 1909, em Dresden, revela-nos muito do vanguardismo que a obra encerra e o choque que provocou nos mais diversos teatros de ópera do Mundo. Baseada na tragédia de Sófocles e com libretto em alemão da autoria de Hugo von Hofmannstahl, Elektra representa, musicalmente, a experiência mais dissonante encetada por Richard Strauss, a tal ponto que, se pensarmos nas óperas sequentes do compositor, poderemos ser tentados a concordar com Schumann-Heink. A ousadia de Strauss, a este nível, termina em Elektra. Outros caminhos o aguardavam. O efectivo orquestral a que a ópera obriga é massivo, propiciando a formação de uma coluna sonora esmagadora: mais de quatro dezenas de instrumentos de sopro e metais (incluindo trompete-baixo, trombone-contrabaixo e tuba), 24 violinos e 18 violas.

O trio de protagonistas (Elektra, Klytämnestra e Chrysothemis) tem contado, ao longo das décadas, com intérpretes de grande nível, capazes de fazer jus tanto ao texto de Sófocles como à linguagem musical de Strauss. Um dos mais justamente celebrados é o formado por Birgit Nilsson, Regina Resnik e Leonie Rysanek. Intérpretes de excepção, aliando uma sumptuosidade vocal a uma leitura sagaz e exaltante das situações dramáticas propostas pela partitura, as cantoras citadas são responsáveis por algumas das mais inesquecíveis e electrizantes récitas da ópera que fizeram as delícias de um público em êxtase. Exemplo disso constitui um registo, absolutamente imperdível, captado ao vivo na Ópera de Viena, em 1965, sob a direcção de um dos mais destacados maestros straussianos: Karl Böhm. Compunham ainda o elenco nomes como Wolfgang Windgassen como Aegisth e Eberhard Waechter no papel de Orest.

No ano seguinte ao clamoroso sucesso das récitas na capital austríaca, o Metropolitan de Nova Iorque estreava uma nova produção de
Elektra da responsabilidade de Herbert Graf e com cenografia a cargo de Rudolf Heinrich. As protagonistas? Nilsson, Resnik e Rysanek.

Nas publicações
High Fidelity e Musical America, Peter G. Davis teve o seguinte a dizer sobre a estreia:

"
Almost everyone was pleasantly surprised by Birgit Nilsson's unexpectedly "right" Salome two years ago, and even greater things were expected from her Elektra. Certainly the role has rarely been accorded such a glorious vocal performance; when it comes to staying power and ability to ride out the mightiest Straussian orchestral tides, Nilsson clears the floor of all competition. Still, it was a curiously uninvolving hour and three quarters - partly due, I think, to the restrained detachment of Miss Nilsson s acting as well as to the unrelieved sunny brilliance of her voice (which, as it turns out, is more at home with the technicolored Salome than the dark, glowering Elektra)."

"
Regina Resnik plays Klytmnestra as an extraordinarily beautiful, proud and regal figure tottering on the brink of hysteria - a far cry from the grotesque, bloated hag presented by most mezzos. The dignity with which Miss Resnik clothes the role increases the queen's stature immeasurably and adds poignancy to the fleeting impulses of maternal warmth and her flinches of terror as Elektra details the horrible death in store. Furthermore, Miss Resnik is content to sing the music, and very beautifully at that, letting Strauss' graphic prosody tell its own tale. A very great performance."

"
Chrysothemis found Leonie Rysanek in excellent vocal shape, and she threw herself into the part with her usual abandon. I can't help thinking that she has miscalculated the dramatic effect somewhat: far from being the modest and retiring sister suggested by Hofmannsthal, this Chrysothemis could clearly have straight-armed Elektra, marched out the door, and had the first farmer's son that came along.

Concordando em maior ou menor grau com as considerações acima transcritas, a verdade é que este conjunto de récitas de 1966 constituiu-se um sucesso arrebatador que ficou para os anais do teatro. Propomos, de seguida, alguns excertos da transmissão radiofónica levada a cabo no dia 10 de Dezembro. Em audição, o monólogo de entrada de Elektra (Allein! Weh, ganz allein), o sonho de Klytämnestra (Ich habe keine guten Nächte), a cena entre Elektra e Chrysothemis (Nun muss es hier von uns geschehn), a cena do reconhecimento de Orest (Was willst du, fremder Mensch?) e as páginas finais da ópera (Ob ich nicht höre?).

Sob a direcção de Thomas Schippers, a distribuição foi a seguinte: Birgit Nilsson (Elektra), Regina Resnik (Klytämnestra), Leonie Rysanek (Chrysothemis), William Dooley (Orest), James King (Aegisth).


Allein! Weh, ganz allein









Ich habe keine guten Nächte









Nun muss es hier von uns geschehn









Was willst du, fremder Mensch?









Ob ich nicht höre?