sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Elektra, MET 28 de Outubro de 1966


"Não há nada para lá de Elektra". A afirmação do lendário meio-soprano alemão Ernestine Schumann-Heink, que desempenhou o papel de Klytämnestra na estreia da ópera de Richard Strauss a 25 de Janeiro de 1909, em Dresden, revela-nos muito do vanguardismo que a obra encerra e o choque que provocou nos mais diversos teatros de ópera do Mundo. Baseada na tragédia de Sófocles e com libretto em alemão da autoria de Hugo von Hofmannstahl, Elektra representa, musicalmente, a experiência mais dissonante encetada por Richard Strauss, a tal ponto que, se pensarmos nas óperas sequentes do compositor, poderemos ser tentados a concordar com Schumann-Heink. A ousadia de Strauss, a este nível, termina em Elektra. Outros caminhos o aguardavam. O efectivo orquestral a que a ópera obriga é massivo, propiciando a formação de uma coluna sonora esmagadora: mais de quatro dezenas de instrumentos de sopro e metais (incluindo trompete-baixo, trombone-contrabaixo e tuba), 24 violinos e 18 violas.

O trio de protagonistas (Elektra, Klytämnestra e Chrysothemis) tem contado, ao longo das décadas, com intérpretes de grande nível, capazes de fazer jus tanto ao texto de Sófocles como à linguagem musical de Strauss. Um dos mais justamente celebrados é o formado por Birgit Nilsson, Regina Resnik e Leonie Rysanek. Intérpretes de excepção, aliando uma sumptuosidade vocal a uma leitura sagaz e exaltante das situações dramáticas propostas pela partitura, as cantoras citadas são responsáveis por algumas das mais inesquecíveis e electrizantes récitas da ópera que fizeram as delícias de um público em êxtase. Exemplo disso constitui um registo, absolutamente imperdível, captado ao vivo na Ópera de Viena, em 1965, sob a direcção de um dos mais destacados maestros straussianos: Karl Böhm. Compunham ainda o elenco nomes como Wolfgang Windgassen como Aegisth e Eberhard Waechter no papel de Orest.

No ano seguinte ao clamoroso sucesso das récitas na capital austríaca, o Metropolitan de Nova Iorque estreava uma nova produção de
Elektra da responsabilidade de Herbert Graf e com cenografia a cargo de Rudolf Heinrich. As protagonistas? Nilsson, Resnik e Rysanek.

Nas publicações
High Fidelity e Musical America, Peter G. Davis teve o seguinte a dizer sobre a estreia:

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Almost everyone was pleasantly surprised by Birgit Nilsson's unexpectedly "right" Salome two years ago, and even greater things were expected from her Elektra. Certainly the role has rarely been accorded such a glorious vocal performance; when it comes to staying power and ability to ride out the mightiest Straussian orchestral tides, Nilsson clears the floor of all competition. Still, it was a curiously uninvolving hour and three quarters - partly due, I think, to the restrained detachment of Miss Nilsson s acting as well as to the unrelieved sunny brilliance of her voice (which, as it turns out, is more at home with the technicolored Salome than the dark, glowering Elektra)."

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Regina Resnik plays Klytmnestra as an extraordinarily beautiful, proud and regal figure tottering on the brink of hysteria - a far cry from the grotesque, bloated hag presented by most mezzos. The dignity with which Miss Resnik clothes the role increases the queen's stature immeasurably and adds poignancy to the fleeting impulses of maternal warmth and her flinches of terror as Elektra details the horrible death in store. Furthermore, Miss Resnik is content to sing the music, and very beautifully at that, letting Strauss' graphic prosody tell its own tale. A very great performance."

"
Chrysothemis found Leonie Rysanek in excellent vocal shape, and she threw herself into the part with her usual abandon. I can't help thinking that she has miscalculated the dramatic effect somewhat: far from being the modest and retiring sister suggested by Hofmannsthal, this Chrysothemis could clearly have straight-armed Elektra, marched out the door, and had the first farmer's son that came along.

Concordando em maior ou menor grau com as considerações acima transcritas, a verdade é que este conjunto de récitas de 1966 constituiu-se um sucesso arrebatador que ficou para os anais do teatro. Propomos, de seguida, alguns excertos da transmissão radiofónica levada a cabo no dia 10 de Dezembro. Em audição, o monólogo de entrada de Elektra (Allein! Weh, ganz allein), o sonho de Klytämnestra (Ich habe keine guten Nächte), a cena entre Elektra e Chrysothemis (Nun muss es hier von uns geschehn), a cena do reconhecimento de Orest (Was willst du, fremder Mensch?) e as páginas finais da ópera (Ob ich nicht höre?).

Sob a direcção de Thomas Schippers, a distribuição foi a seguinte: Birgit Nilsson (Elektra), Regina Resnik (Klytämnestra), Leonie Rysanek (Chrysothemis), William Dooley (Orest), James King (Aegisth).


Allein! Weh, ganz allein









Ich habe keine guten Nächte









Nun muss es hier von uns geschehn









Was willst du, fremder Mensch?









Ob ich nicht höre?







2 comentários:

Raul disse...

Caríssimo Hugo Santos,
Homero, se existiu, pois há bibliotecas sobre o assunto, escreveu dois poemos épicos: a Ilíada e a Odisseia. A Elektra de Strauss baseia-se na Electra de Sófocles, embora os outros trágicos tenham abordado o tema: Ésquilo com As Coéforas e Eurípedes com a sua Electra. Claro que a história da ópera, do mito da casa dos Atridas, está relacionada com o regresso de Agamemnon da Guerra de Troia, onde comandou as forçss gregas vencedoras. Desculpe este despejar de Grécia Clássica. Eu nos meus tempos da faculdade estudei muito este tema e a minha tese de licenciatura foi na Electra de Sófocles, onde no final faço referência a uma revisitação moderna do mito com a ópera se Strauss.

Hugo Santos disse...

Caro Raul,

é sempre um prazer lê-lo sobre um tema que sei lhe é imensamente caro. Tenho aprendido muito cada vez que tem abordado a Grécia Clássica. Vou imediatamente corrigir o texto sobre a Elektra de Strauss.

Um abraço.