segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Gertrude Grob-Prandl: Tannhäuser, 1972


Na galeria dos grandes sopranos dramáticos wagnerianos do século vinte, nomes como Frida Leider, Kirsten Flagstad, Helen Traubel, Birgit Nilsson, Martha Mödl ou Astrid Varnay encontram, de modo mais ou menos substancial, lugar em qualquer apreciável discoteca pessoal. Existem, contudo, casos em que a superior estatura artística de um intérprete, mesmo que reconhecida, não provou ser suficiente no processo de consolidação enquanto referência, levando-o a cair num certo esquecimento. Um desses exemplos é, indubitavelmente, Gertrude Grob-Prandl.

Nascida em Viena a 11 de Novembro de 1917, é descoberta, por acaso, aquando de audições para uma apresentação amadora da Nona Sinfonia de Beethoven na escola que frequentava. É imediatamente incentivada a estudar canto, o que faz durante quatro anos. Antes do término desse período, é contratada pela Volksoper de Viena, estreando-se por volta de 1940 como Santuzza na ópera Cavalleria Rusticana de Mascagni. Seguem-se, no mesmo teatro, a Leonore do Fidelio de Beethoven e a Ariadne auf Naxos de Richard Strauss, entre diversos papéis em óperas italianas. A sua voz de volume imenso, penetrante e dotada de um timbre escuro, especialmente talhada para o reportório mais dramático, chama a atenção, entre outros, do próprio Strauss que a convida para cantar na ópera Die ägyptische Helena (A Helena egípcia). Infelizmente, um projecto a que as condicionantes da Segunda Grande Guerra puseram termo. Em Junho de 1944, estreia-se no palco maior da lírica vienense - a Staastoper - como Elsa na ópera Lohengrin de Richard Wagner ao lado da Ortud de Anny Konetzni. A 12 de Março do ano seguinte, o edifício da Ópera de Viena é completamente destruído pelas bombas das Forças Aliadas. Na tentativa de assegurar a apresentação de espectáculos com o pouco que restava, muitos intérpretes são confrontados com papéis inusitados. No caso de Grob-Prandl coube-lhe a assunção de Rosalinde da opereta Die Fledermaus de Johann Strauss Filho, num total de trinta e cinco récitas. Uma personagem que o soprano lamentará, mais tarde, não ter tido oportunidade de cantar novamente. No entanto, o potencial revelado por um instrumento declaradamente hoch-dramatisch, habilitava-a sobremaneira para os papéis mais "pesados" quer da lírica germânica como da italiana.

Em 1949, canta, pela primeira vez, a Brünnhilde da ópera Die Walküre de Richard Wagner sob a direcção de Clemens Krauss e ao lado da Sieglinde de Viorica Ursuleac. É com esta mesma ópera que, um ano mais tarde, se estreia no Colón de Buenos Aires, dirigida por Karl Böhm. Uma ocasião em que lhe foi concedida a ventura de partilhar o palco com figuras da estatura de Margarete Klose e Tiana Lemnitz. Aquele que se constituiria um dos principais papéis da sua carreia - a Isolde - cruzou-se com Grob-Prandl em Bruxelas, no âmbito de uma tournée dos corpos artísticos da Staatsoper de Viena. O êxito foi de tal modo arrebatador, ao ponto de a cantora ter sido agraciada com o título de Kammersängerin logo após o regresso à capital austríaca. Em 1951, leva a princesa irlandesa a Itália, designadamente ao Teatro San Carlo de Nápoles e ao Teatro Alla Scala de Milão, onde é dirigida por Victor de Sabata, em récitas que se encontram preservadas. Pouco presente nas temporadas dos teatro líricos norte-americanos, surgiu, não obstante, em São Francisco no Outono de 1953 para interpretar a Isolde, a Brünnhilde em Die Walküre e a Amelia da ópera Un Ballo in Maschera de Verdi.

Do reportório italiano, o papel de Turandot na ópera homónima de Puccini terá sido aquele em que imprimiu uma marca mais duradoura. Apresentando-se quer na língua original, quer em Alemão ou mesmo Inglês, fez-se ouvir em Viena, na Arena de Verona, nos Jardins de Boboli em Florença, nas Termas de Caracalla em Roma, bem como na Royal Opera House de Londres, sob a batuta de John Barbirolli. Algum tempo antes de Birgit Nilsson e Franco Corelli, já Gertrude Grob-Prandl e Giacomo Lauri-Volpi competiam entre si sobre quem manteria as notas agudas durante mais tempo.

Além das personagens supracitadas, o soprano abordou igualmente a Elektra de Richard Strauss, a Brünnhilde nas óperas Siegfried e Götterdämmerung, a Ortud do Lohengrin e a Venus do Tannhäuser.

Em 1969, após uma récita da ópera Fidelio na Ópera de Viena, Grob-Prandl depara-se com um enorme bouquet composto por 50 rosas no seu camarim, com os agradecimentos da administração. Desconhecendo o motivo na origem da tal gesto, fica a saber que aquela data marcava a sua quinquagésima apresentação no papel de Leonore naquele teatro. Curiosamente, aquando da reabertura da Staatsoper a 5 de Novembro de 1955 com esta obra, a protagonista havia sido entregue a Martha Mödl, enquanto, um mês mais tarde, Gertrude Grob-Prandl inaugurava a Staatsoper de Berlim, exactamente com o mesmo papel.

Inversamente ao que sucede com alguns intérpretes, Grob-Prandl preferiu afastar-se do universo operático da forma mais discreta possível. Um processo que se iniciou a 1 de Janeiro de 1972, data em que a cantora se despediu da sua "residência artística" - a Staastoper de Viena - interpretando a Venus da ópera Tannhäuser de Richard Wagner. No livro The Last Prima Donnas, da autoria de Lanfranco Rasponi, o soprano descreve, deste modo, as circunstâncias que envolveram a sua decisão:

"'I had made up my mind', she confessed, 'that I would stop singing the day I discovered that it was no longer an immense pleasure, to which I always looked forward with great antecipation, but an effort. And perhaps it was a mistake to stop in 1972, for I have missed my work more than I could ever imagine - it may have been a temporary sense of fatigue. Birgit Nilsson is still continuing, and there is barely six months' difference in our ages. When I appeared as Venus in Tannhäuser, in the Paris production, at my home base, the Vienna Staatsoper, it just happened that my contract was up on January 1, 1972, the date of this performance, and had to be renegotiated and renewed. It was then that I decided I would not sign a new one, which would have meant three more years, and that I would consider it my local farewell. I had, if I may say so, never sung this role better that on that night. I still had many engagements to fulfill in France and Germany, but when they were done with, I closed the chapter that had been the reason for my life and to which I had dedicated all of myself. I had always said my husband and friends that I would never consider an official goodbye performance, as to me it would have seemed like singing at my own funeral. People learned of my retirement not through any press statement but by word of mouth. (...)"

Da produção da ópera Tannhäuser a que aludimos anteriormente, o Memória da Ópera seleccionou uma gravação efectuada ao vivo a 7 de Setembro de 1971. Com uma carreira que, à data, já se estendia por cerca de três décadas, sendo dominada por papéis de acentuada exigência dramático-vocal, Gertrude Grob-Prandl exibe-se ainda a um nível assinalável. Pese embora uma menor plasticidade, fenómeno perfeitamente natural no que à maturidade de instrumentos deste porte concerne, importa ressaltar, sobremaneira, a segurança e impacto dos registos médio e agudo. Acresce uma óptima projecção da linha de canto, caracterizada por um fraseado expressivo, assente na variação das dinâmicas. Mesmo um ligeiríssimo esforço na zona de passagem não deslustra uma leitura caracterizada por um engajamento dramático que contribui, na globalidade, para uma interpretação idiomática na melhor tradição germânica. Em audição, a cena do primeiro acto entre Venus e Tannhäuser a partir da canção Dir töne Lob! Die Wunder sei'n gepriesen até ao desaparecimento do reino de Venusberg.

Sob a direcção de Berislav Klobucar, formavam o elenco: Hans Beirer (Tannhäuser), Leonie Rysanek (Elisabeth), Eberhard Wächter (Wolfram), Gertrude Grob-Prandl (Venus), Gerd Nienstedt (Landgraf), Karl Terkal (Walther), Reid Bunger (Biterolf), Kurt Equiluz (Hermann), Frederick Guthrie (Reinmar), Rita Streich (Um pastor).


Dir töne Lob! Die Wunder sei'n gepriesen









Stets soll nur dir, nur dir mein Lied ertönen!







4 comentários:

Anónimo disse...

Poster magnífico.
A Grob-Prandl foi uma voz excepcional injustamente esquecida da grande cena internacional, em termos de "happening", e, desgraçadamente para nós, da discografia. Eu tenho-a na primeira cena do segundo acto do Tristão numa caixa com muitos cds de Wagner cantado por cantores anteriores à Nilsson, embora inclua esta. A prestação da Gertrude Grob-Prandl só é superada pela Flagstad que nesta cena na versão Furtwangler é tocada pelo Divino.
RAUL

Plácido Zacarias disse...

Caros bloggers,
Desculpem se esta intervenção parace desadequada e/ou fora do tema, mas gostaria de deixar aos seguidores deste blog uma recomendação de subscrição no canal do YouTube: YouTube.com/100singers. Trata-se de um projecto de um alemão que visa promover grandes vozes que cairam no esquecimento ou simplesmente nunca foram muito mediáticas.
Tem igualmente informação em inglês com espaço aberto a discussão.

Hugo Santos disse...

Caro Daniel,

obrigado pela dica e volte sempre.

Marina Dias disse...

Amigos e amantes da ópera, boa tarde. Peço licença ao dono do blog e aos leitores para falar de algo que pode interessar a alguns de vocês.

Trata-se da ópera "Nixon da China", que estará ao vivo nos cinemas do Brasil (por enquanto no Rio de Janeiro, Maringá, São José dos Campos, Campinas e Porto Alegre). É uma excelente oportunidade para assistir a esse trabalho ousado e transgressor, transmitido direto do MetOpera!

http://www.youtube.com/watch?v=aCvzGsyjP-I

Quando vai ser? Vai ser no dia 12 de FEVEREIRO!

Caso queiram entrar em contato, escrevam para: socialmedia@mobz.com.br

Um abraço,
Marina D. Sussekind – LiveMobz